"As far back as I can remember, I always wanted to be a gangster". Goodfellas.
Henry Hill (personagem interpretada por Ray Liotta em "Goodfellas") é um rapaz que vive nos subúrbios de Brooklyn, em 1955. Vem de uma família disfuncional de cinco irmãos em que a educação dos pais é inexistente, excepto pela violência. Isto alia-se à liberdade que Henry sempre teve, que tornou a rua a sua verdadeira casa. Assim, tem como modelos de vida aqueles que observa todos os dias e que lhe retribuem alguns favores por uns trocos. É nesta altura que Henry se inicia no mundo da máfia. Começa como "moço de recados" e ganha algum dinheiro a estacionar os carros dos gangsters. Isto agrada-lhe bastante pela sua vaidade em mostrar que se poderia tornar numa das pessoas e estilos de vida que admirava. O dinheiro era cada vez mais um meio para resolver os problemas que surgiam e, quando este não o permitia, partiam para a violência extrema. Apesar destes ideais corruptos e perigosos, era aqui que Henry se sentia seguro.
À medida que vai subindo na hierarquia vai assumindo maiores responsabilidades, que vêm com cargos e tarefas mais perigosas. Estas envolvem normalmente mais que uma pessoa, o que implica uma confiança mútua já que o que começa a estar em causa, além dos interesses económicos, são as próprias vidas de cada um. Henry apercebe-se desta realidade quando vê pela primeira vez um homem alvejado. A partir daí, esta confiança e lealdade perante o outro, torna-se vital e clara para ele. "Never rat on your friends and always keep your mouth shut" é o lema que domina a máfia italiana. Quem lhe disse isto foi Paulie Cicero, que era o Padrinho, o capitão da máfia local e que foi alguém que sempre ajudou a carreira de Henry como Gangster e o apresentou às pessoas e contactos certos. Em troca, tinha de cumprir as tarefas que Paulie lhe incumbia. Toda a máfia gira portanto à volta de favores e não de obrigações legais. A expressão "limpar as mãos um ao outro", descreve exactamente o espírito que se vive quer dentro das famílias de máfia, quer das próprias famílias para com o exterior. Por uma certa quantia, uma loja pode, por exemplo, deixar de ser assaltada e passar a ser vigiada de forma a proteger a integridade dos proprietários. Tudo isto, Henry teve que perceber e aprender a lidar, de forma a poder continuar a subir na vida e chegar aonde queria.
Anos mais tarde, agora já adulto, muitas das suas prioridades e ideais mudam. O dinheiro, apesar de nunca deixar de ser um elemento fulcral para si, passa muitas vezes para segundo plano após o despertar do interesse pelas mulheres. Apercebe-se que através do estatuto de gangster, tem facilidade em conquistá-las e manter até mais do que um relacionamento. Quer formar uma família mas não dispensa a companhia das amantes em certos dias. Conhece também gente cada vez mais carismática, com feitios bastante opostos. Tanto lida com pessoas que mesmo nos momentos mais difíceis, conseguem manter a calma, como é confrontado com pessoas que, pelo mínimo desrespeito ou gozo, se irritam ao ponto de matar.
Após passarem tantos anos juntos, a ultrapassarem dificuldades e a alcançarem sonhos que sempre desejaram, Henry Hill e os parceiros acabam por formar uma tal cumplicidade que chegam ao ponto de nem nas férias se separarem. Vestem-se todos da mesma forma e têm os mesmo costumes. Vivem cada vez mais das aparências, inclusivé no momento em que são presos e vivem como se numa casa estivessem. Continuam a manter as hierarquias e o respeito, embora nesta altura, Henry, nas costas de Paulie, comece a envolver-se num novo negócio bastante lucrativo: a droga. A decadência é imediata e as consequências dos seus actos acabam por aparecer. Começa a perder tudo o que formou e a deixar de ter quem confie nele. Acaba deste modo por se tornar no que sempre tentou evitar: o cidadão banal que ninguém conhece nem quer saber.